segunda-feira, 12 de outubro de 1981

Nesga de céu

Uma nesga de céu visitando meu quarto
Me abate de fraco, me enche de azul.
Pela aberta janela entrou de mansinho
E meu único medo é que queira fugir.
Uma fresta no teto se abriu em silêncio,
Como pra vigiar minha nesga de céu.
Ela fica num canto, me olhando de longe
E eu fico sorrindo, olhando pra lá.
Não importa por que ou pra que ela veio;
Interessa apenas que fique ali
Se escondendo e, no entanto, azulando meu rosto,
Para que o meu ser nunca deixe de ser
Uma nesga de céu visitando teu quarto
Te abate de fraca, te enche de azul.
Pela aberta janela entrou de mansinho
E teu único medo é que queira fugir.
Uma fresta no teto se abriu em silêncio,
Como pra vigiar tua nesga de céu.
Ela fica num canto, te olhando de longe
E tu ficas sorrindo, olhando pra lá.
Não importa por que ou pra que ela veio;
Interessa apenas que fique ali
Se escondendo e, no entanto, azulando teu rosto,
Para que o teu ser nunca deixe de ser
Uma nesga de céu visitando meu quarto...


Letra e música de Flávio Fonseca

quinta-feira, 8 de outubro de 1981

Indo

Indo, calmamente,
Na certeza de chegar.
Indo, mansamente,
Como quem não teme nada;
Não há susto nessa estrada
Que me faça recuar.

Indo, impassível,
A caminho da paixão.
Indo, a cada nível,
Descobrindo voluntários;
Não há um, eu vejo vários
Que se unem, mão na mão.

Indo, confiante,
É preciso a gente crer.
Indo, retirante,
Seja só, acompanhado;
Pesquisando em todo lado,
Procurando por você.


Letra e música de Flávio Fonseca

segunda-feira, 5 de outubro de 1981

Ensaios

Descrição de cena:

Pela terceira vez ele põe a caneta entre os dentes, entretendo-se em girá-la com a ponta dos dedos, enquanto seus olhos fixam a pauta à sua frente. Esforça-se pra ter uma ideia que dê continuidade ao trecho que sua inspiração há pouco ditara. Larga a caneta e devolve os dedos ao violão, repetindo o pedaço de melodia já pronta.

Descrição de ambiente:

Um copo de cristal, transparente, cheio d'água até o meio, repousa em cima da mesa. A mesa é redonda, forrada de uma toalha branca de fino linho que esconde o rico verniz sobre a madeira de jacarandá. Uma única coluna cilíndrica a sustenta, apoiada sobre o tapete felpudo que cobre todo o chão do aposento, passando por baixo do piano alemão de meia cauda, do sofá de macio estofado azul claro, da estante repleta de romances de todos os tempos e do armário de bar, vazio, encostado no canto mais obscuro da sala, como se não fosse usado há anos. Do teto pende um lustre não muito ornamentado, que deixa escapar uma luz amarelada, transformando o lívido das paredes nuas, trespassando a vidraça da janela sem cortinas, atirando-se rua afora pela porta aberta. Da soleira da porta, um par de olhos observa todo o ambiente, fascinado por um copo de cristal transparente, cheio d'água até o meio, em cima da mesa.