sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A verdadeira cultura musical

Ter cultura musical é conhecer. De tudo. Ou, pelo menos, do máximo possível. É poder participar de qualquer roda de conversa, tendo o que falar. Saber opinar, embasado em fatos. E, para isto, ouvir de tudo. O que é feito no Brasil e o que vem do exterior. O que foi composto há séculos, e o que está sendo criado hoje. O que tem influência urbana, e o que tem cheiro rural. Qualquer gênero, qualquer estilo. Qualquer qualidade.

É claro que não estou falando de gosto. As preferências são pessoais e indiscutíveis. Mas se ficarmos restritos apenas ao que gostamos, não ampliaremos nossos horizontes, não compreenderemos o motivo que faz os outros gostarem, não conheceremos, não teremos cultura musical. Pois o gosto está ligado a conceitos subjetivos, como educação, meio ambiente, valores afetivos... sim, também à qualidade. Mas mesmo esta não é objetiva, não pode ser ligada a este ou aquele tipo de música. Em qualquer categoria há coisas bem feitas e mal feitas. E, se faz sucesso, algo de bom tem que ter. Pode ser um elemento da própria música, como a melodia ou a harmonia, mas pode ser a produção de estúdio ou de palco, o cenário, iluminação ou figurino, o material gráfico, o marketing... e de tudo se pode aprender. Pra conhecer mais.

E saber reconhecer esses elementos. Saber o que é harmonia, melodia, ritmo, saber identificar um instrumento solista ou aquele que faz um contraponto. Entender o que é um contraponto. O que é compasso. Agudo, grave, timbre, rallentando... É claro que podemos ter prazer em ouvir música sem conscientizar nada disso. Mas estamos falando de cultura musical. E, analogicamente, o prazer de ver uma pintura é maior quando reconhecemos a técnica, o período, o contexto.

Música também é uma pintura. Nossas cores, linhas, formas, luzes e sombras são as notas, os parâmetros, o sincronismo (ou não), a fonte sonora. Numa palavra, o som. E nossa tela é o tempo.

Popular ou clássico? Que diferença faz? Tudo se resume a combinação de sons sobre uma tela de tempo. Os elementos usados são os mesmos. Podemos ter uma sinfônica tocando rock progressivo ou um sambista cantando barroco. É música.

O primeiro passo para atingirmos a verdadeira cultura musical é abandonar os estereótipos e abrir a mente para todas as manifestações musicais do mundo. Depois disso nosso gosto pode até mudar - mas, provavelmente, não, pois as crenças arraigadas ao subconsciente são mais fortes. Mas, pelo menos, viveremos um processo maravilhoso, ao fim do qual estaremos musicalmente mais cultos.

É, isso resume tudo: ter cultura musical é combater o preconceito. O nosso próprio.

(Publicado no jornal Tagualetras, de Novembro/2010)

sábado, 9 de outubro de 2010

Espiritualidade na ficção científica brasileira

Que o cinema nacional tem passado por uma fase espiritualista todo mundo já notou.

Mas isso me fez pensar numa coisa: todos os livros de ficção científica brasileira que já caíram nas minhas mãos tinham algo mais além da aventura e das conjecturas científicas. Pode não ser regra geral, estou falando apenas do que li, mas mesmo assim é intrigante.

Lembro-me vividamente de um volume de contos que li na adolescência, de uma autora chamada Zora Seljam. O nome do livro já me fugiu, mas cheguei a trocar alguma correspondência com a escritora - naquela época, por carta. Conheci-a pessoalmente numa noite de autógrafos, em Brasília, mas ela residia, se não me engano, nos EUA. E aquele livro me abriu a porta para um gênero "fusion". Ficção científica? Poesia em prosa? Poderia dizer que Ray Bradbury também tem um tom poético, mas sem a brasilidade de Zora.

Depois, lembro de ter lido um romance no qual o protagonista ficava congelado por alguns séculos e finalmente acordava em uma sociedade moralmente mais evoluída. Infelizmente, deste não lembro nem o título nem o autor. Marcou-me apenas que foi indicado pelo meu tio Nelson Pereira de Souza, pois na tal sociedade futura todos falavam esperanto.

E atualmente estou lendo O Espaço Inexplorado, de Ricardo Guilherme. É uma trilogia agora publicada em um só volume. Muito interessante, num ritmo de contador de histórias, sem muitos desvios para descrição de ambientes ou personagens. A filosofia intrínseca vai brotando com naturalidade, sem proselitismo ou pieguice. Alguns leitores materialistas podem até discordar das crenças usadas como pano de fundo, achá-las ingênuas, mas a trama, ágil, é bem escrita. Pode não se comparar aos grandes mestres da FC, como Isaac Asimov ou Arthur Clarke, mas estou gostando bastante de ler. Ah, e tem também uma menção ao esperanto...


Adendo em 12/10/2010:

Depois que postei o texto acima, fiz uma rápida pesquisa na rede e descobri que o livro da Zora Seljam que me marcou chama-se Contos do Amanhã; e que ela faleceu em abril de 2006...

Onde ela estiver, que receba minha gratidão pela influência benéfica no meu gosto por literatura, e por assim ter de alguma maneira participado da formação da minha personalidade ainda adolescente.