domingo, 12 de dezembro de 2010

Feliz encontro de culturas

Último dia do ano, início de tarde. Estávamos sem nada para fazer. Não tinha sido possível viajar, e, infelizmente, já não havia mais vaga em nenhum restaurante ou clube que fosse suficientemente tranquilo para nos agradar. Íamos passar a virada de ano em casa, desta vez.

Chamamos meu cunhado com a família, e também meus sogros. Estávamos todos sem programa, então resolvemos alugar uns filmes para passar o tempo juntos.

Enquanto eles não chegavam, saí com minha esposa e minha filha para ir até a locadora e para comprar umas esfihas, que, após breve troca de ideias, tinha sido o cardápio escolhido para a “ceia”.

Obviamente, a maior parte do comércio estava fechada, principalmente onde morávamos, distante do centro. Mas num pequeno shopping perto de casa havia um restaurante egípcio, ao qual nunca tínhamos ido. Resolvemos dar um pulo lá, e da rua vimos que ainda estava aberto.

Qual não foi nossa surpresa, quando percebemos que eles estavam preparando o ambiente para o réveillon! Demos uma olhada na decoração, no cardápio – bem melhor que esfihas! –, e aproximamo-nos de uma mocinha que trabalhava:

– Vocês vão ficar abertos à noite?
– Vamos, sim – respondeu ela, cortesmente.
– E ainda tem vaga para mais uma família? Somos... – calculei rapidamente – oito pessoas.
– Temos vaga, sim!

Puxa, que achado! Um lugar tranquilo, original, aprazível... confirmamos o preço, e logo mudamos nossos planos. Telefonamos para os parentes, e fomos para casa nos arrumar.

* * *

Quando chegamos, ainda estava vazio, embora os proprietários já estivessem em plena animação. Receberam-nos carinhosamente, levaram-nos à mesa, e colocaram o bufê à disposição.

Tudo era autenticamente egípcio: a comida, a música, a arrumação das mesas, o figurino dos donos... nunca tomei algo mais gostoso que o suco de uva com água de rosas. Ofereceram-nos o narguilé, rindo de nossa desconfiança. Garantiram que a erva era legal, e alguns de nós, mesmo sem nunca ter fumado, experimentaram.

Não satisfeitos, trouxeram-nos adereços para nos enfeitar. Meu sobrinho sentiu-se poderoso portando um pschent, o toucado dos faraós. As mulheres divertiram-se com véus, pulseiras, colares.

Visivelmente não queriam nos deixar isolados. A hospitalidade era encantadora, mas conforme a hora avançava e notávamos que não chegava mais ninguém, começamos a ficar constrangidos.

Em determinado momento, aproveitei que uma das moças passou perto de nossa mesa, chamei-a, e fui direto:

– Quando viemos aqui à tarde nos disseram que o restaurante estaria aberto, mas... esta é a festa particular de vocês, não é?

Ela abriu um imenso e simpático sorriso, e disse algo equivalente a isto:

– Mas somos todos uma família só, não somos?

É evidente que não existe no mundo uma resposta adequada a isto. Fiquei calado, sorrindo também.

Quando a meia-noite aproximou-se, convidaram-nos a sair para ver os fogos. Mais que isso: levaram as crianças à cobertura do shopping, para ver melhor. Ainda hoje trago na retina a imagem de minha esposa abraçada à filha do dono do estabelecimento, olhando para o céu.

Atualmente o restaurante não existe mais naquele lugar, nem nós moramos lá perto. Perdemos contato por alguns anos, até que minha esposa e eu reencontramos a moça egípcia numa grande feira de artesanato, expondo arte típica de seu país. No meio do burburinho, trocaram novidades, e-mails e promessas de novos encontros.

Pode ser que novos reencontros aconteçam, ou não. Não importa tanto. Ficou
a certeza de uma sincera ligação nascida naquela noite, e a sensação de uma emoção vagamente lembrada, como ao acordar de um sonho bom.