quinta-feira, 13 de dezembro de 1984

Dinâmica

(Proposta por Adriana Carrascosa von Glehn - "Parafuso" - numa carta)

1. Pegue uma caneta.
2. Olhe à sua frente e escreva o que você estiver vendo.
3. Agora transforme estas coisas materiais em lembranças. E associe, e rememore, e aprenda e escreva (para mim se possível) transformando simples coisas em poesia.


Pela janela as paisagens vão;
Meus pés são rodas,
Meus dedos cordas,
Meu peito, um violão...
Naturalmente,
Vejo muita coisa à minha frente.
Muitas delas, não visíveis -
A maioria.
Vejo amor, vejo saudade,
Vejo, correndo, passar o dia.
Vejo olhos sensíveis,
Que não são de verdade;
Apenas imagens
Que posso ver sem visão.
Transformo tudo em lembranças,
Rememória, associação,
Faço disso aprendizagens,
Luminosas alianças...
Poesias...
Esperanças...
De alegrias mil nuanças...
Uma estrada é muito menos
Do que algo que nos afasta.
É um novelo que se desenrola
E que o tempo nunca gasta;
É um doce aceno,
Que aproxima, e une, e cola...
Novamente,
Olho à minha frente,
E muita coisa vejo.
(E muito mais que eu mesmo penso):
Um colégio, uma avenida,
Uma flauta, um povo tenso,
Um neon, um realejo...
Contrastes que marcam a vida.

4. Levante o braço esquerdo, movimente os dedos e toque no ar, e cante em silêncio!
5. Pegue um papel (a caneta você já tem, né?!), escreva imediatamente o que você está pensando (se puder depois mande para mim).


Um romance fraterno é lindo.
Foi a primeira coisa em que pensei,
Após levantar o braço, tocar no ar,
E, sem ninguém ouvir, eu sei,
Cantar, cantar! E assim vai indo
Esta carta singular.
Era isso que você queria?
Esses versos de improviso,
Esse ser emocionado,
No olhar, esse sorriso,
E, em tudo, poesia...?
Esse sentimento alado?
Ser irmão pra valer,
Em toda parte, a toda hora,
É bem mais que um romance
(Até a métrica agora
Se ajeita, sem querer),
É de Deus a grande chance!

6. Olhe bem para este retângulo → durante 30":
 







7. Ache o infinito ponto e assinale com um X.

Um retângulo profundo,
Qual janela infinita,
Mostra mais do que se vê.
Como posso, senhorita,
Do outro lado do mundo,
Marcar um "X" em você?
"Senhorita" é brincadeira,
Você sabe muito bem,
Pois não somos tão formais.
Só que tenho pouco tem-
po pra pensar numa besteira
Que me dê uma rima a mais!
Minha mana, nunca antes
Eu tentei fazer repente,
Esta é a primeira vez.
Eu escrevo tão-somente
O que no primeiro instante
Tem sentido - ou talvez.
E agora já nem sei
Se eu sei continuar
Escrevendonormalmente;
Mas também não vou tentar,
Pois senão descobrirei
Que eu sei - e vou em frente!
Muito embora a minha rima,
Já cansada, enfraqueça
- Ela tem todo o direito.
No entanto, não se esqueça
De que esta "obra-prima"
É a primeira deste jeito.
Pode rir, é até bom,
Descontrai você e eu,
Que de vez em vez preciso.
Mas o que você escreveu,
"Senhorita Adriana von",
É melhor que esse improviso.
(Esse foi infame,
Sem graça e confuso.
Por favor, não reclame,
"Senhorita Parafuso"!)

8. Espero que tenha causado suspense (pelo menos)! E principalmente espero que o suspense não seja inútil.

E após virar a página
- A sua e a minha -
Encontro o fim da trilha,
Onde o suspense se detinha.
(Página só rima com página:
Caí na armadilha!)

Enquanto eu descanso
Desse louco desafio,
Dessas polirritmias,
Eu copio,
Manso,
Suas poesias.