sexta-feira, 11 de dezembro de 1981

É só no domingo que eu tenho o direito de te visitar: seu pai não permite, e você, com efeito, precisa estudar. Mas eu não concordo que fiquem pensando errado de mim; se eu te procuro, estou te amando, e muito! É sim!

E olha: garanto que estou animado pra te ajudar. Não sei muita coisa, mas, sendo a seu lado, prometo tentar. (Faz tempo que eu nem sequer me pergunto o que é estudar; mas agora é sério, afinal, o assunto é seu vestibular.)

Também não aceito te ver todo dia, escondido, assim. Parece brinquedo de "amor fantasia", e isso é ruim! Amor não é "hobby"; corrermos perigo não tem nenhum fim. Seu pai do meu lado é mais um amigo a trazer-te pra mim!


Brasília, 1/10 e 11/12/81

segunda-feira, 12 de outubro de 1981

Nesga de céu

Uma nesga de céu visitando meu quarto
Me abate de fraco, me enche de azul.
Pela aberta janela entrou de mansinho
E meu único medo é que queira fugir.
Uma fresta no teto se abriu em silêncio,
Como pra vigiar minha nesga de céu.
Ela fica num canto, me olhando de longe
E eu fico sorrindo, olhando pra lá.
Não importa por que ou pra que ela veio;
Interessa apenas que fique ali
Se escondendo e, no entanto, azulando meu rosto,
Para que o meu ser nunca deixe de ser
Uma nesga de céu visitando teu quarto
Te abate de fraca, te enche de azul.
Pela aberta janela entrou de mansinho
E teu único medo é que queira fugir.
Uma fresta no teto se abriu em silêncio,
Como pra vigiar tua nesga de céu.
Ela fica num canto, te olhando de longe
E tu ficas sorrindo, olhando pra lá.
Não importa por que ou pra que ela veio;
Interessa apenas que fique ali
Se escondendo e, no entanto, azulando teu rosto,
Para que o teu ser nunca deixe de ser
Uma nesga de céu visitando meu quarto...


Letra e música de Flávio Fonseca

quinta-feira, 8 de outubro de 1981

Indo

Indo, calmamente,
Na certeza de chegar.
Indo, mansamente,
Como quem não teme nada;
Não há susto nessa estrada
Que me faça recuar.

Indo, impassível,
A caminho da paixão.
Indo, a cada nível,
Descobrindo voluntários;
Não há um, eu vejo vários
Que se unem, mão na mão.

Indo, confiante,
É preciso a gente crer.
Indo, retirante,
Seja só, acompanhado;
Pesquisando em todo lado,
Procurando por você.


Letra e música de Flávio Fonseca

segunda-feira, 5 de outubro de 1981

Ensaios

Descrição de cena:

Pela terceira vez ele põe a caneta entre os dentes, entretendo-se em girá-la com a ponta dos dedos, enquanto seus olhos fixam a pauta à sua frente. Esforça-se pra ter uma ideia que dê continuidade ao trecho que sua inspiração há pouco ditara. Larga a caneta e devolve os dedos ao violão, repetindo o pedaço de melodia já pronta.

Descrição de ambiente:

Um copo de cristal, transparente, cheio d'água até o meio, repousa em cima da mesa. A mesa é redonda, forrada de uma toalha branca de fino linho que esconde o rico verniz sobre a madeira de jacarandá. Uma única coluna cilíndrica a sustenta, apoiada sobre o tapete felpudo que cobre todo o chão do aposento, passando por baixo do piano alemão de meia cauda, do sofá de macio estofado azul claro, da estante repleta de romances de todos os tempos e do armário de bar, vazio, encostado no canto mais obscuro da sala, como se não fosse usado há anos. Do teto pende um lustre não muito ornamentado, que deixa escapar uma luz amarelada, transformando o lívido das paredes nuas, trespassando a vidraça da janela sem cortinas, atirando-se rua afora pela porta aberta. Da soleira da porta, um par de olhos observa todo o ambiente, fascinado por um copo de cristal transparente, cheio d'água até o meio, em cima da mesa.

domingo, 26 de abril de 1981

Meu amor, meu amorzinho

Meu amor, meu amorzinho,
Como é bom estar aqui
Tu me olhando e ouvindo
A canção que fiz pra ti

Não me diga nada agora
Quietinhos, só nós dois
O silêncio é um poema
E o mais se diz depois

Meu amor, meu amorzinho,
Leve estou, namoro a paz
Guardo em ti os meus segredos
E o que o coração me traz

Teus olhinhos me sorrindo
Teu sorriso a me beijar
Eu adoro esse carinho
Que me faz só de me olhar

Meu amor, meu amorzinho,
De mansinho, sem conter
Eu me cubro de ternura
E derramo em teu viver

Transformando este instante
Em minuto de oração
Peço que cante comigo,
Bem baixinho, esta canção.


Letra e música de Flávio Fonseca

sexta-feira, 20 de março de 1981

Levito

Levito no tempo.
Estanca-se minha presença.
Mantenho a crença
Que cresce a cada momento.
Invento a paz
E divido com toda a justiça.
É pouco.
A minha memória embaraça
E amassa aquela lembrança
Que tão tolamente guardava,
Assim como quem não avança.
Criança,
Arremesso a pouca vontade,
Que invade o terreno do nada,
E acaba-se uma esperança
Que quase se viu confirmada.
Flutuo,
E sem ter apoio prossigo,
Amigo que sou do instante,
Amante que sou do minuto,
Labuto em crescer, doravante.
Infante,
Em vão se revela, a jornada,
Que nada dará fim ao rito.
Eu grito, e mais desespero,
E no tempo, incrível, levito.

sábado, 7 de fevereiro de 1981

Kid Mimoso

Kid Mimoso,
Galã e garboso,
Um herói incorrigível,
Posição irreverente,
Coração efervescente,
Olhou pra mim e disse, rindo:
- Não demore, vá em frente!

Muito pintoso,
Sagaz e manhoso,
Quis, por capricho, me assustar.
Mas, tão fofinho e amigo,
Só conseguiu me conquistar.

Kid Mimoso,
Rapaz curioso,
Um herói apaixonado,
Com um ar de importante,
Lá de cima da estante,
Sentadinho, educado,
Me vigia a todo instante.

Lindo, jeitoso,
Boneco charmoso,
Quase que, sem querer, sorriu,
Pois descobri que ele veio
Numa estrela que caiu.

Kid Mimoso,
Fiel, carinhoso,
Num pequeno bate-papo,
Pulsação incandescente,
Audição clarividente,
Aconselhou, devagarinho:
- Não demore, vá em frente!


Letra e música de Flávio Fonseca

sábado, 31 de janeiro de 1981

Xilingue

É Ouro Fino, Pouso Alegre, Jacutinga,
Muita gente, muita pinga,
Carnaval de interior.
É Christiane, Margareth e Celeste,
É a beleza do agreste
Que desperta este amor.

Borda da Mata, a cidade tão pertinho,
Mas o trem, devagarzinho,
Como custa a chegar!
É paisagem, correria, tira-foto,
A garota vai de moto
E só se vê ela passar.

É a Rosângela e Telma na esquina,
A gente foge das meninas
Pra depois morrer de rir.
A serenata na calçada, um segundo
E o melhor café do mundo
O Bar do Paulo vai servir.

É o piano esperando bem em frente,
E a Débora, contente,
Quer ouvir o violão.
E muita coisa que se guarda escondida,
Por exemplo: nossa ida
Pra lá de Monte Sião.


Composta (letra e música) em Ouro Fino/MG, durante férias com o amigo pianista e compositor Ronaldo Pellicano.