sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Pais e filhos no Século XXI

É como chegar em casa após um dia cansativo e sentir aquele cheirinho aconchegante do nosso cantinho, e saber que podemos relaxar em paz e segurança. Ou como entrar em um ambiente acolhedor e reconhecer o lugar sem nunca ter estado lá, e perceber um espaço onde podemos dar livre vazão às emoções puras e nutritivas.

Assim é o amor entre eu e minha filha.

Sempre houve famílias. Mesmo antes de se inventar uma palavra para o conceito – ou até para qualquer outro conceito. Desde o início as pessoas se agrupam em torno da paternidade e da maternidade, criando núcleos de desenvolvimento e fortalecimento.

Mas esta célula embriã, como tudo pela natureza, evolui e se modifica. Vários modelos foram postos em prática ao longo da História, consciente ou inconscientemente.

Até pouco tempo atrás, na sociedade da qual fazemos parte, era comum a estrutura familiar vertical. Uma hierarquia rígida, onde os mais velhos prevaleciam sobre os mais novos, as regras eram indiscutíveis e a figura patriarcal era inatacável – no sentido de que devia ser tratada como infalível.

E funcionava bem assim. Tal sistema manteve a solidez do círculo durante séculos.

Desde o namoro eu dizia à minha esposa: temos que nos dar as mãos, mas não como fechados num círculo, e sim lado a lado, olhando e caminhando para a frente. É assim que vamos levar nosso amor adiante, ao mesmo tempo em que colhemos a ternura, o carinho e a bondade que encontrarmos pela estrada. Como num arrastão poderoso, um arrastão espiritual, que doa enquanto toma, que cede enquanto recebe.

Um arrastão de amor.

Com a chegada dos novos tempos, o grupo familiar tem se organizado cada vez mais de forma horizontal. Com papéis distintos, mas equilibrados, seus membros assumem posturas menos impositivas e mais equivalentes, menos competitivas e mais colaborativas.

Este é o presente! Somos companheiros de uma jornada maravilhosa, em que cada um quer o melhor para o outro e se coloca diante da vida conforme a necessidade do passo seguinte.

Alguns analistas da situação, de forma crítica, chegam a apontar um declínio no instituto da família, como se o aparente afrouxamento da autoridade levasse à decadência.

Quem é o pai? Quem é a filha?

Aprendo diariamente com as conquistas dela, enquanto permito que minha experiência ensine por si só. Suas atitudes exemplificam novos caminhos, seus pensamentos ilustram futuros imaginados, seus sentimentos instruem o que julgávamos impossível. Minhas semanas demonstram a alegria do trabalho, os dias são oportunidades renovadas de convivência, horas se dedicam ao conteúdo necessário, mas os minutos buscam o prazer do olhar e do sorriso, os segundos buscam o crescimento do amor!

Quem é o pai? Quem é a filha? O que importa?

Naturalmente, a visão equivocada é perdoada, quando toma por esfacelamento uma transformação não compreendida.

Na verdade, a mudança de sentido seria assustadora se não fosse gradual. E pode gerar preocupação a diminuição de força, quando não se vislumbra o poder elástico da afinidade.

Atualmente, os vínculos são mais frágeis, porém mais profundos. Precisam de mais cuidado e atenção para se manterem, mas por isso mesmo são mais belos e guardam maior capacidade de impulso.

Não veremos o fim do ponto básico da coletividade. Estamos presenciando a troca da obediência pelo consenso, do temor pelo respeito sincero, da obrigação pela cumplicidade, descobrindo meios de colocar em tudo o verdadeiro amor.

É a única ideia que se repete em minhas reflexões, o amor! O único capaz de fazer bem conviver o discurso formal e a divagação pessoal, a dissertação e a poesia!

A inspiração que vem ao lembrar da minha criança, já tão mocinha, e que transborda em turbilhão livre de palavras emocionadas se largo tudo e subo as escadas para vê-la!

Este amor que é leito de rio, é seta apontando a direção, é destino do navegar. O amor que é argamassa, mas é açúcar, é controle e liberdade, é levar e correr junto.

Se eu a fiz filha, foi ela quem me fez pai.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

O invencível

Uma pessoa com auto-confiança e que pratica a auto-aprovação é muito poderosa. Uma pessoa que faça sempre a coisa certa, conforme a lei de Deus, também é muito poderosa. Aquele que faz as duas coisas... este é invencível.

Há os que passam a vida se esforçando para agir da maneira certa, e até conseguem. Porém se não chegam a acreditar em si, dependendo de onde estão vindo, caminharam bastante, mas ainda tem muito o que evoluir. Ainda não usam a incrível força da vontade.

Por outro lado, pouco adianta dominar a mente, ter auto-estima, e ir na direção errada. Mais cedo ou mais tarde será levado à estrada correta. Provavelmente com dor.

Um Francisco Bernardone não teria tanta força se, além da religiosidade da mãe, não tivesse herdado a coragem, impetuosidade e firmeza do pai. Só tamanha positividade o levaria a tirar a roupa em público, enfrentar tão frontalmente toda a sociedade da época, e transformar o mundo.

sábado, 5 de março de 2011

O assassinato do abacateiro

Era uma árvore linda, frondosa, robusta e saudável. Tinha uma irmã menor, plantada na mesma cova e que crescera quase colada a ela, um pé de cajá. Todos os dias, além da passarinhada alvoroçada, era visitada por micos que iam ali para brincar e buscar alimento, bagunceiros e donos de um gritinho agudo que já virara marca sonora na vizinhança.

Quando nos mudamos para a rua, a árvore foi uma das primeiras a nos dar as boas vindas. Carregadinha de abacates, chamou a atenção dos homens da mudança, que, após levarem os móveis para dentro, manobraram o caminhão para debaixo de seus galhos, subiram na caçamba, usaram um cabo de vassoura para cutucá-los e foram embora cheios de frutos saborosos.

A rua a amava. Como estava na calçada, pertencia a todos, e a todos servia sua sombra, sua música tocada ao vento, seus abacates.

* * *

Há poucos dias a casa bem em frente à arvore foi vendida. Os novos donos, inexplicavelmente, acharam que eram donos também do enorme vegetal, e que tinham o direito de dispor livremente de sua vida. Não se importaram que ele estivesse completamente indefeso, passivo, submisso, embora isento de qualquer sentimento de vingança.

Quando a serra elétrica começou seu trabalho, achei que era apenas um rápido serviço de poda. Talvez estivessem preocupados com os carros que estacionavam rente ao meio-fio, que eventualmente poderiam receber uma chuva de abacates. Talvez os galhos estivessem danificando a fiação elétrica. Aguardei, inconformado mesmo assim: em que outro planeta além do nosso um fio elétrico é mais importante que uma vida que levou décadas para se fortalecer e consolidar? Não seria mais simples, rápido, barato, ecológico, humano, só passar os fios por outro lugar, dando uma pequena volta, se preciso?

Mas o problema não eram os fios. Chegaram os músicos do meu grupo e iniciamos o ensaio ao som da serra elétrica. Quando percebi, já não havia mais nenhum galho com folhas. Nem frutos. A vizinha do lado - única com coragem e iniciativa para enfrentar pessoalmente o atacante - tentava em vão impedir o crime. Mas não havia mais o que defender. O tronco já estava com as entranhas à mostra, sem esperança de recuperação. Nem a cajazeira havia sido poupada. A ignorância tinha vencido.

* * *

A natureza não se vinga. Apenas reage de modo reflexo, assim como a água do rio se desvia das pedras. E a vida sempre encontra caminho em outro lugar.

Aqueles vizinhos agora não terão mais sombra em seu quintal, e ficarão expostos ao sol da tarde, inclemente sobre o seu telhado de zinco. Nem sombra na calçada, que substituiria a falta de garagem. Não terão mais frutos, nutritivos, gostosos e gratuitos. Não terão mais privacidade, pois suas janelas agora estão abertas aos olhares de meia dúzia de casas próximas. Não terão a companhia de animais inofensivos e amigos, atraídos por sua bela copa. Não terão um brinquedo e um exercício físico divertido para os filhos, que poderiam grimpá-la e balançar-se pendurados. Não terão o som relaxante do vento criando corredeira entre suas folhas. Não terão a energia vigorosa da vida vegetal a se irradiar e influenciar a nossa vida animal.

Procuro o lado positivo das coisas, e vejo que agora tenho mais luz, e minha vista alcança um pouco mais longe. Mas o canto dos passarinhos está distante, e ainda não voltei a ouvir o chamado agudo dos miquinhos.