sexta-feira, 8 de maio de 2020

Para Tarcísio Lima

Em 4/5/2020, desejei feliz aniversário ao meu amigo Tarcísio Lima, em grupo do WhatsApp.

Ele me respondeu em versos, no dia 8:

obrigado, meu querido flávio!
honra-me o conhecimento prévio
convosco, cuja luz me faz lívio!
babando, este vosso irmão pacóvio,
de elogios vos mata em dilúvio!...

Não me contive, e repliquei também:

Uau!
És poeta 24/7,
Não consigo entender como és tanto!
Assim como nas palavras és mestre,
Pela música tu'alma reflete
O espírita e, sim, o Esperanto!

segunda-feira, 19 de março de 2012

Gravar CD?

Século XXI. Plena transição no modelo de comercialização da música. Mais que isso: transformação do conceito de música, que vai deixando de ser encarada como produto e passa, pouco a pouco, a ser vista como serviço.

Neste cenário, de forma geral não mais se vende discos.

Recentemente um músico que trabalha comigo me perguntou: pra que então vamos gravar?

As respostas são simples. Todas elas.

Gravamos para registrar o que fazemos. É um desperdício gastar horas escrevendo, arranjando, ensaiando, para depois de algumas apresentações abandonar aquele repertório. As gerações futuras vão querer saber o que fizemos, e nós mesmos amanhã também vamos querer.

Gravamos para divulgar. Por mais shows que façamos, nunca será possível ir a todos os lugares. A gravação pode ser colocada na internet, e muito mais gente nos ouve.

E as pessoas podem continuar a nos ouvir em casa, após os concertos.

O formato físico do disco tem sua importância. Para juntar a um projeto, ou enviar para a imprensa, como demonstração do que fazemos. Não um CDR com capinha feita em impressora caseira, mas um objeto industrializado, com uma bela arte gráfica, que impõe credibilidade.

Sim, credibilidade é uma palavra chave. Um artista que tenha vários discos gravados é mais respeitado que um que tenha apenas um, ou nenhum. Por mais currículo que este apresente.

Ah, podemos até fazer a coisa mais inesperada: vender! Sempre tem alguém querendo comprar um CD após um show. Mas isso é apenas lucro, pois o disco tem que ter sido pago antes de ser feito. Alguém quis que ele existisse, para usá-lo como material de marketing institucional. Eis aí mais um motivo: o disco é contrapartida a se oferecer, é veículo de publicidade.

Esta é a nossa missão como artistas: criar e ajudar a criar coisas boas e deixá-las para o mundo.

Ainda há outras respostas a serem dadas, mas agora não dá tempo. Acabei de gravar um disco, está na hora de começar a pensar no próximo...

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Pais e filhos no Século XXI

É como chegar em casa após um dia cansativo e sentir aquele cheirinho aconchegante do nosso cantinho, e saber que podemos relaxar em paz e segurança. Ou como entrar em um ambiente acolhedor e reconhecer o lugar sem nunca ter estado lá, e perceber um espaço onde podemos dar livre vazão às emoções puras e nutritivas.

Assim é o amor entre eu e minha filha.

Sempre houve famílias. Mesmo antes de se inventar uma palavra para o conceito – ou até para qualquer outro conceito. Desde o início as pessoas se agrupam em torno da paternidade e da maternidade, criando núcleos de desenvolvimento e fortalecimento.

Mas esta célula embriã, como tudo pela natureza, evolui e se modifica. Vários modelos foram postos em prática ao longo da História, consciente ou inconscientemente.

Até pouco tempo atrás, na sociedade da qual fazemos parte, era comum a estrutura familiar vertical. Uma hierarquia rígida, onde os mais velhos prevaleciam sobre os mais novos, as regras eram indiscutíveis e a figura patriarcal era inatacável – no sentido de que devia ser tratada como infalível.

E funcionava bem assim. Tal sistema manteve a solidez do círculo durante séculos.

Desde o namoro eu dizia à minha esposa: temos que nos dar as mãos, mas não como fechados num círculo, e sim lado a lado, olhando e caminhando para a frente. É assim que vamos levar nosso amor adiante, ao mesmo tempo em que colhemos a ternura, o carinho e a bondade que encontrarmos pela estrada. Como num arrastão poderoso, um arrastão espiritual, que doa enquanto toma, que cede enquanto recebe.

Um arrastão de amor.

Com a chegada dos novos tempos, o grupo familiar tem se organizado cada vez mais de forma horizontal. Com papéis distintos, mas equilibrados, seus membros assumem posturas menos impositivas e mais equivalentes, menos competitivas e mais colaborativas.

Este é o presente! Somos companheiros de uma jornada maravilhosa, em que cada um quer o melhor para o outro e se coloca diante da vida conforme a necessidade do passo seguinte.

Alguns analistas da situação, de forma crítica, chegam a apontar um declínio no instituto da família, como se o aparente afrouxamento da autoridade levasse à decadência.

Quem é o pai? Quem é a filha?

Aprendo diariamente com as conquistas dela, enquanto permito que minha experiência ensine por si só. Suas atitudes exemplificam novos caminhos, seus pensamentos ilustram futuros imaginados, seus sentimentos instruem o que julgávamos impossível. Minhas semanas demonstram a alegria do trabalho, os dias são oportunidades renovadas de convivência, horas se dedicam ao conteúdo necessário, mas os minutos buscam o prazer do olhar e do sorriso, os segundos buscam o crescimento do amor!

Quem é o pai? Quem é a filha? O que importa?

Naturalmente, a visão equivocada é perdoada, quando toma por esfacelamento uma transformação não compreendida.

Na verdade, a mudança de sentido seria assustadora se não fosse gradual. E pode gerar preocupação a diminuição de força, quando não se vislumbra o poder elástico da afinidade.

Atualmente, os vínculos são mais frágeis, porém mais profundos. Precisam de mais cuidado e atenção para se manterem, mas por isso mesmo são mais belos e guardam maior capacidade de impulso.

Não veremos o fim do ponto básico da coletividade. Estamos presenciando a troca da obediência pelo consenso, do temor pelo respeito sincero, da obrigação pela cumplicidade, descobrindo meios de colocar em tudo o verdadeiro amor.

É a única ideia que se repete em minhas reflexões, o amor! O único capaz de fazer bem conviver o discurso formal e a divagação pessoal, a dissertação e a poesia!

A inspiração que vem ao lembrar da minha criança, já tão mocinha, e que transborda em turbilhão livre de palavras emocionadas se largo tudo e subo as escadas para vê-la!

Este amor que é leito de rio, é seta apontando a direção, é destino do navegar. O amor que é argamassa, mas é açúcar, é controle e liberdade, é levar e correr junto.

Se eu a fiz filha, foi ela quem me fez pai.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

O invencível

Uma pessoa com auto-confiança e que pratica a auto-aprovação é muito poderosa. Uma pessoa que faça sempre a coisa certa, conforme a lei de Deus, também é muito poderosa. Aquele que faz as duas coisas... este é invencível.

Há os que passam a vida se esforçando para agir da maneira certa, e até conseguem. Porém se não chegam a acreditar em si, dependendo de onde estão vindo, caminharam bastante, mas ainda tem muito o que evoluir. Ainda não usam a incrível força da vontade.

Por outro lado, pouco adianta dominar a mente, ter auto-estima, e ir na direção errada. Mais cedo ou mais tarde será levado à estrada correta. Provavelmente com dor.

Um Francisco Bernardone não teria tanta força se, além da religiosidade da mãe, não tivesse herdado a coragem, impetuosidade e firmeza do pai. Só tamanha positividade o levaria a tirar a roupa em público, enfrentar tão frontalmente toda a sociedade da época, e transformar o mundo.

sábado, 5 de março de 2011

O assassinato do abacateiro

Era uma árvore linda, frondosa, robusta e saudável. Tinha uma irmã menor, plantada na mesma cova e que crescera quase colada a ela, um pé de cajá. Todos os dias, além da passarinhada alvoroçada, era visitada por micos que iam ali para brincar e buscar alimento, bagunceiros e donos de um gritinho agudo que já virara marca sonora na vizinhança.

Quando nos mudamos para a rua, a árvore foi uma das primeiras a nos dar as boas vindas. Carregadinha de abacates, chamou a atenção dos homens da mudança, que, após levarem os móveis para dentro, manobraram o caminhão para debaixo de seus galhos, subiram na caçamba, usaram um cabo de vassoura para cutucá-los e foram embora cheios de frutos saborosos.

A rua a amava. Como estava na calçada, pertencia a todos, e a todos servia sua sombra, sua música tocada ao vento, seus abacates.

* * *

Há poucos dias a casa bem em frente à arvore foi vendida. Os novos donos, inexplicavelmente, acharam que eram donos também do enorme vegetal, e que tinham o direito de dispor livremente de sua vida. Não se importaram que ele estivesse completamente indefeso, passivo, submisso, embora isento de qualquer sentimento de vingança.

Quando a serra elétrica começou seu trabalho, achei que era apenas um rápido serviço de poda. Talvez estivessem preocupados com os carros que estacionavam rente ao meio-fio, que eventualmente poderiam receber uma chuva de abacates. Talvez os galhos estivessem danificando a fiação elétrica. Aguardei, inconformado mesmo assim: em que outro planeta além do nosso um fio elétrico é mais importante que uma vida que levou décadas para se fortalecer e consolidar? Não seria mais simples, rápido, barato, ecológico, humano, só passar os fios por outro lugar, dando uma pequena volta, se preciso?

Mas o problema não eram os fios. Chegaram os músicos do meu grupo e iniciamos o ensaio ao som da serra elétrica. Quando percebi, já não havia mais nenhum galho com folhas. Nem frutos. A vizinha do lado - única com coragem e iniciativa para enfrentar pessoalmente o atacante - tentava em vão impedir o crime. Mas não havia mais o que defender. O tronco já estava com as entranhas à mostra, sem esperança de recuperação. Nem a cajazeira havia sido poupada. A ignorância tinha vencido.

* * *

A natureza não se vinga. Apenas reage de modo reflexo, assim como a água do rio se desvia das pedras. E a vida sempre encontra caminho em outro lugar.

Aqueles vizinhos agora não terão mais sombra em seu quintal, e ficarão expostos ao sol da tarde, inclemente sobre o seu telhado de zinco. Nem sombra na calçada, que substituiria a falta de garagem. Não terão mais frutos, nutritivos, gostosos e gratuitos. Não terão mais privacidade, pois suas janelas agora estão abertas aos olhares de meia dúzia de casas próximas. Não terão a companhia de animais inofensivos e amigos, atraídos por sua bela copa. Não terão um brinquedo e um exercício físico divertido para os filhos, que poderiam grimpá-la e balançar-se pendurados. Não terão o som relaxante do vento criando corredeira entre suas folhas. Não terão a energia vigorosa da vida vegetal a se irradiar e influenciar a nossa vida animal.

Procuro o lado positivo das coisas, e vejo que agora tenho mais luz, e minha vista alcança um pouco mais longe. Mas o canto dos passarinhos está distante, e ainda não voltei a ouvir o chamado agudo dos miquinhos.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Feliz encontro de culturas

Último dia do ano, início de tarde. Estávamos sem nada para fazer. Não tinha sido possível viajar, e, infelizmente, já não havia mais vaga em nenhum restaurante ou clube que fosse suficientemente tranquilo para nos agradar. Íamos passar a virada de ano em casa, desta vez.

Chamamos meu cunhado com a família, e também meus sogros. Estávamos todos sem programa, então resolvemos alugar uns filmes para passar o tempo juntos.

Enquanto eles não chegavam, saí com minha esposa e minha filha para ir até a locadora e para comprar umas esfihas, que, após breve troca de ideias, tinha sido o cardápio escolhido para a “ceia”.

Obviamente, a maior parte do comércio estava fechada, principalmente onde morávamos, distante do centro. Mas num pequeno shopping perto de casa havia um restaurante egípcio, ao qual nunca tínhamos ido. Resolvemos dar um pulo lá, e da rua vimos que ainda estava aberto.

Qual não foi nossa surpresa, quando percebemos que eles estavam preparando o ambiente para o réveillon! Demos uma olhada na decoração, no cardápio – bem melhor que esfihas! –, e aproximamo-nos de uma mocinha que trabalhava:

– Vocês vão ficar abertos à noite?
– Vamos, sim – respondeu ela, cortesmente.
– E ainda tem vaga para mais uma família? Somos... – calculei rapidamente – oito pessoas.
– Temos vaga, sim!

Puxa, que achado! Um lugar tranquilo, original, aprazível... confirmamos o preço, e logo mudamos nossos planos. Telefonamos para os parentes, e fomos para casa nos arrumar.

* * *

Quando chegamos, ainda estava vazio, embora os proprietários já estivessem em plena animação. Receberam-nos carinhosamente, levaram-nos à mesa, e colocaram o bufê à disposição.

Tudo era autenticamente egípcio: a comida, a música, a arrumação das mesas, o figurino dos donos... nunca tomei algo mais gostoso que o suco de uva com água de rosas. Ofereceram-nos o narguilé, rindo de nossa desconfiança. Garantiram que a erva era legal, e alguns de nós, mesmo sem nunca ter fumado, experimentaram.

Não satisfeitos, trouxeram-nos adereços para nos enfeitar. Meu sobrinho sentiu-se poderoso portando um pschent, o toucado dos faraós. As mulheres divertiram-se com véus, pulseiras, colares.

Visivelmente não queriam nos deixar isolados. A hospitalidade era encantadora, mas conforme a hora avançava e notávamos que não chegava mais ninguém, começamos a ficar constrangidos.

Em determinado momento, aproveitei que uma das moças passou perto de nossa mesa, chamei-a, e fui direto:

– Quando viemos aqui à tarde nos disseram que o restaurante estaria aberto, mas... esta é a festa particular de vocês, não é?

Ela abriu um imenso e simpático sorriso, e disse algo equivalente a isto:

– Mas somos todos uma família só, não somos?

É evidente que não existe no mundo uma resposta adequada a isto. Fiquei calado, sorrindo também.

Quando a meia-noite aproximou-se, convidaram-nos a sair para ver os fogos. Mais que isso: levaram as crianças à cobertura do shopping, para ver melhor. Ainda hoje trago na retina a imagem de minha esposa abraçada à filha do dono do estabelecimento, olhando para o céu.

Atualmente o restaurante não existe mais naquele lugar, nem nós moramos lá perto. Perdemos contato por alguns anos, até que minha esposa e eu reencontramos a moça egípcia numa grande feira de artesanato, expondo arte típica de seu país. No meio do burburinho, trocaram novidades, e-mails e promessas de novos encontros.

Pode ser que novos reencontros aconteçam, ou não. Não importa tanto. Ficou
a certeza de uma sincera ligação nascida naquela noite, e a sensação de uma emoção vagamente lembrada, como ao acordar de um sonho bom.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A verdadeira cultura musical

Ter cultura musical é conhecer. De tudo. Ou, pelo menos, do máximo possível. É poder participar de qualquer roda de conversa, tendo o que falar. Saber opinar, embasado em fatos. E, para isto, ouvir de tudo. O que é feito no Brasil e o que vem do exterior. O que foi composto há séculos, e o que está sendo criado hoje. O que tem influência urbana, e o que tem cheiro rural. Qualquer gênero, qualquer estilo. Qualquer qualidade.

É claro que não estou falando de gosto. As preferências são pessoais e indiscutíveis. Mas se ficarmos restritos apenas ao que gostamos, não ampliaremos nossos horizontes, não compreenderemos o motivo que faz os outros gostarem, não conheceremos, não teremos cultura musical. Pois o gosto está ligado a conceitos subjetivos, como educação, meio ambiente, valores afetivos... sim, também à qualidade. Mas mesmo esta não é objetiva, não pode ser ligada a este ou aquele tipo de música. Em qualquer categoria há coisas bem feitas e mal feitas. E, se faz sucesso, algo de bom tem que ter. Pode ser um elemento da própria música, como a melodia ou a harmonia, mas pode ser a produção de estúdio ou de palco, o cenário, iluminação ou figurino, o material gráfico, o marketing... e de tudo se pode aprender. Pra conhecer mais.

E saber reconhecer esses elementos. Saber o que é harmonia, melodia, ritmo, saber identificar um instrumento solista ou aquele que faz um contraponto. Entender o que é um contraponto. O que é compasso. Agudo, grave, timbre, rallentando... É claro que podemos ter prazer em ouvir música sem conscientizar nada disso. Mas estamos falando de cultura musical. E, analogicamente, o prazer de ver uma pintura é maior quando reconhecemos a técnica, o período, o contexto.

Música também é uma pintura. Nossas cores, linhas, formas, luzes e sombras são as notas, os parâmetros, o sincronismo (ou não), a fonte sonora. Numa palavra, o som. E nossa tela é o tempo.

Popular ou clássico? Que diferença faz? Tudo se resume a combinação de sons sobre uma tela de tempo. Os elementos usados são os mesmos. Podemos ter uma sinfônica tocando rock progressivo ou um sambista cantando barroco. É música.

O primeiro passo para atingirmos a verdadeira cultura musical é abandonar os estereótipos e abrir a mente para todas as manifestações musicais do mundo. Depois disso nosso gosto pode até mudar - mas, provavelmente, não, pois as crenças arraigadas ao subconsciente são mais fortes. Mas, pelo menos, viveremos um processo maravilhoso, ao fim do qual estaremos musicalmente mais cultos.

É, isso resume tudo: ter cultura musical é combater o preconceito. O nosso próprio.

(Publicado no jornal Tagualetras, de Novembro/2010)